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segunda-feira, 28 de março de 2011

Irlanda um exemplo de desenvolvimento

A ilusão da austeridade
Paul Krugman

O governo de Portugal acaba de cair, devido a uma disputa quanto a propostas para medidas de austeridade. O rendimento dos títulos da dívida irlandesa acaba de superar os 10% pela primeira vez na História. E o governo britânico acaba de reduzir sua projeção de crescimento e elevar sua projeção de deficit.

O que esses acontecimentos têm em comum? São todos indícios de que cortar gastos em períodos de alto desemprego constitui um erro. Os defensores da austeridade afirmavam que cortes de gastos propiciariam dividendos rápidos em forma de alta na confiança, e que exerceriam pouco, se algum, efeito adverso sobre o crescimento e nível de emprego; mas estavam errados.

É lastimável, por isso, que hoje ninguém seja levado a sério em Washington a menos que se declare adepto da mesma doutrina que vem fracassando de maneira tão estrondosa na Europa.

Nem sempre foi assim. Dois anos atrás, diante de uma alta no desemprego e de grandes deficit orçamentários -as duas coisas consequências da severa crise financeira-, a maioria dos líderes dos países avançados compreendia que os problemas precisavam ser enfrentados em sequência, com atenção imediata à criação de empregos combinada a uma estratégia de longo prazo para a redução dos deficit.

Por que não reduzir os deficit de imediato? Porque os aumentos de impostos e os cortes nos gastos do governo deprimiriam as economias ainda mais, agravando o desemprego. E reduzir gastos em uma economia profundamente deprimida é quase sempre autodestrutivo, até mesmo em termos fiscais puros: as economias conquistadas com os cortes terminam parcialmente negadas pela queda na arrecadação, à medida que a economia encolhe.

Portanto, empregos já e deficits mais tarde representa a estratégia correta. Infelizmente, ela foi abandonada devido a riscos fantasmas e esperanças ilusórias. Por um lado, dizem-nos constantemente que, caso não cortemos os gastos de imediato, terminaremos na mesma situação que a Grécia, incapazes de captar dinheiro a não ser sob taxas de juros exorbitantes. Por outro, nos dizem que não precisamos nos preocupar com o impacto do corte dos gastos sobre o emprego porque a austeridade fiscal na realidade criará empregos, ao gerar uma alta na confiança.

Como essa narrativa está caminhando, até agora?

A dita linha dura quanto ao deficit vem gritando alertas quanto às taxas de juros dos Estados Unidos quase continuamente, desde que a crise financeira começou a se aliviar, e considera qualquer movimento ligeiro de alta nas taxas como sinal de que os mercados estão se voltando contra os Estados Unidos. Mas a verdade é que as taxas de juros vêm flutuando, não devido ao medo da dívida, e sim em companhia das esperanças mais e menos fortes de recuperação econômica. E porque a recuperação plena aparenta estar ainda muito distante, os juros agora são mais baixos que há dois anos.

Mas os Estados Unidos não poderiam mesmo terminar na mesma situação que a Grécia? Sim, claro. Caso os investidores decidam que somos uma banana republic cujos líderes políticos não querem ou podem enfrentar seus problemas de longo prazo, deixarão de fato de adquirir nossos títulos de dívida. Mas essa perspectiva não depende de modo algum de nos punirmos ou não com cortes de gastos em curto prazo.

Basta perguntar aos irlandeses, cujo governo -depois de assumir uma carga insustentável de dívidas devido ao resgate aos bancos descontrolados do país- tentou reassegurar os mercados por meio de medidas selvagens de austeridade que prejudicavam essencialmente os cidadãos comuns. As mesmas pessoas que defendem o corte de gastos nos Estados Unidos celebraram o pacote. "A Irlanda oferece uma lição admirável de responsabilidade fiscal", declarou Alan Reynolds, do Cato Institute, acrescentando que os cortes haviam removido os temores quanto a um calote irlandês, e prevendo rápida recuperação.

Isso foi em junho de 2009. De lá para cá, os juros sobre os títulos de dívida irlandeses dobraram, e o índice de desemprego no país hoje atinge os 13,5%.

E temos também a experiência do Reino Unido. Como os Estados Unidos, o Reino Unido é percebido como solvente pelos mercados financeiros, o que lhe permitiria seguir a estratégia de primeiro criar empregos e depois cuidar dos deficit. Mas o governo do primeiro-ministro David Cameron optou em lugar disso por adotar medidas imediatas e desnecessárias de austeridade, na crença de que os gastos privados mais que compensariam o recuo do governo. Como gosto de dizer, o plano de Cameron se baseava na crença de que a fada da confiança resolveria tudo.

Mas não resolveu. O crescimento britânico se estagnou, e o governo teve de elevar suas projeções de deficit, como resultado.

O que me conduz de volta ao que passa por debate sobre o orçamento hoje em dia em Washington.

Um plano fiscal sério para os Estados Unidos teria por centro os fatores de gastos mais pesados no longo prazo, acima de tudo os custos de saúde, e certamente envolveria alguma forma de aumento de impostos. Mas não somos sérios: qualquer discussão sobre o uso efetivo dos fundos do plano de saúde federal Medicare é recebida por urros de protesto, e a posição oficial do Partido Republicano -que passa quase sem contestação pelos democratas- parece ser a de que ninguém deveria pagar mais impostos. Toda a discussão gira em torno de cortes de gastos em curto prazo.

Em resumo, temos um clima político no qual a suposta linha dura quanto ao deficit deseja punir os desempregados e ao mesmo tempo se opõe a quaisquer medidas que tratariam de nossos problemas orçamentários em longo prazo. E eis o que a experiência de outros países nos ensina: a fada da confiança não nos salvará das consequências de nossa insensatez.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/893935-a-ilusao-da-austeridade.shtml

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