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domingo, 4 de julho de 2010

Mitos da austeridade

2 de julho de 2010 | 19h30

Paul Krugman

Quando era jovem e ingênuo, eu acreditava que pessoas importantes assumiam posições com base numa análise cuidadosa das opções disponíveis. Hoje, sei que as coisas não são assim. Boa parte daquilo em que as Pessoas Sérias acreditam repousa em preconceitos, e não na análise. Tais preconceitos estão sujeitos a excentricidades e modismos.

O que nos traz ao tema da presente coluna. Nos últimos meses, assistimos impressionados e horrorizados à emergência, entre os círculos responsáveis, de um consenso em favor de uma austeridade fiscal imediata. Ou seja, de alguma maneira tornou-se sabedoria convencional a ideia de que agora é a hora de cortar os gastos, apesar do fato de as maiores economias do mundo permanecerem num estado de profunda depressão.

Esta sabedoria convencional não tem como base provas e nem uma análise cuidadosa. Em vez disso, ela repousa sobre o que poderíamos chamar piedosamente de especulação e, menos educadamente, de fantasias da imaginação da elite governamental – especificamente, sobre a crença no que me parecem ser entidades mágicas chamadas justiceiros invisíveis do mercado de obrigações e a fadinha da confiança.

Os justiceiros do mercado de obrigações são investidores que desistem de governos que, na percepção deles, seriam incapazes de pagar suas dívidas ou não estariam dispostos a fazê-lo. Não resta dúvida de que os países podem sofrer crises de confiança (basta ver a crise grega). Mas o que os defensores da austeridade afirmam é que (a) os justiceiros do mercado de obrigações estão prestes a atacar os Estados Unidos, e (b) qualquer gasto adicional com medidas de estímulo vai atiçá-los ainda mais.

Que motivo temos para acreditar nisso? É verdade que os EUA apresentam problemas orçamentários no longo prazo, mas as medidas de estímulo que implementarmos nos próximos anos terão um efeito praticamente nulo sobre nossa capacidade de lidar com tais problemas de endividamento no longo prazo. Como disse recentemente Douglas Elmendorf, diretor do Gabinete Orçamentário do Congresso, “não existe contradição intrínseca em promover um maior estímulo fiscal agora, quando o desemprego é alto e muitas fábricas e empresas operam abaixo da capacidade, e impor a contenção fiscal daqui a muitos anos, quando produção e emprego estarão provavelmente próximos do seu verdadeiro potencial”.

Ainda assim, de tempos em tempos, dizem-nos que os justiceiros do mercado de obrigações chegaram e que, para aplacá-los, temos de impor a austeridade agora, já, imediatamente. Três meses atrás, uma discreta alta nos juros de longo prazo foi recebida com verdadeira histeria: “Temores em relação ao endividamento elevam juros”, foi a manchete do Wall Street Journal, apesar de não haver nada que indicasse tal temor, e Alan Greenspan declarou que a crise era um “canário na mina”.

Desde então, os juros de longo prazo caíram novamente. Longe de fugir dos títulos da dívida americana, os investidores evidentemente os enxergam como a aposta mais garantida numa economia vacilante. Mesmo assim, os defensores da austeridade ainda nos garantem que os justiceiros pretendem nos atacar a qualquer momento se não cortamos os gastos imediatamente.

Mas não se preocupe: cortes nos gastos podem ser dolorosos, mas a fadinha da confiança vai aliviar a dor. “A ideia de que medidas de austeridade possam levar a uma estagnação é incorreta”, declarou Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu em entrevista concedida recentemente. Por quê? A resposta: “Medidas que inspiram confiança vão impulsionar a recuperação econômica, e não retardá-la.”

Onde está a prova de que a contração fiscal seja uma medida expansionista por inspirar mais confiança? (Por sinal, foi esta a doutrina exposta por Herbert Hoover em 1932.) Bem, houve casos históricos de cortes nos gastos e aumentos nos impostos seguidos de crescimento econômico. Mas, ao que me parece, cada um destes exemplos se revela, num exame mais cuidadoso, uma situação na qual os efeitos negativos da austeridade foram compensados por outros fatores, elementos que dificilmente serão considerados relevantes hoje. A era da austeridade-com-crescimento vivida pela Irlanda na década de 1980, por exemplo, dependeu de uma drástica transformação do déficit comercial em superávit comercial, o que não é uma estratégia que pode ser seguida por todos ao mesmo tempo.

E os exemplos contemporâneos de austeridade são pouquíssimo encorajadores. A Irlanda agiu com rigor e disciplina nesta crise, implementando melancolicamente selvagens cortes nos gastos. Como recompensa, o país vivenciou um declínio proporcional ao da Depressão – e os mercados financeiros continuam a tratar o país como um sério candidato à inadimplência. Outros atingidos disciplinados, como Letônia e Estônia, sofreram destino ainda pior – acredite se puder, os três países apresentaram declínios na produção e no índice de emprego piores do que os vividos na Islândia, que foi obrigada, pela própria dimensão de sua crise financeira, a adotar medidas menos ortodoxas.

Assim, da próxima vez que você ouvir pessoas de aparência séria explicando a necessidade da austeridade fiscal, tente analisar seus argumentos. Quase certamente, você descobrirá que aquilo que soa como realismo teimoso repousa na verdade sobre um alicerce de fantasia, na crença de que justiceiros invisíveis vão nos recompensar se formos bonzinhos. E medidas econômicas do mundo real – medidas que prejudicarão as vidas de milhões de famílias de trabalhadores – estão sendo elaboradas a partir deste alicerce.

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austeridade, desemprego, estímulo, Estônia, Irlanda, Islândia, justiceiros, Letônia, mercado, produção
Vou arrastar pra fora o próximo que me chamar de ‘tosco’
2 de julho de 2010 | 16h24

Paul Krugman

Brad DeLong lida com a substância deste editorial da Economist; apesar da absoluta falta de evidências, a Economist ainda acredita na fada da confiança. Notem mais uma coisa, porém: a jubilosa declaração da Economist de que:

O keynesianismo tosco de Krugman subestima a relação entre o comportamento de empresas e famílias e suas expectativas sobre a política fiscal futura.

Durante todo esse debate, um tema recorrente entre antikeynesianos tem sido que keynesianos como eu ou Brad são primitivos ignorantes que não sabem nada sobre macroeconomia moderna. É realmente difícil ver de onde vem isso, pois eu fiz muita otimização intertemporal em minha época. Parte do problema parece ser que as pessoas que dizem isso ficam com o que dizemos porque não compreendem realmente as implicações de seus próprios modelos.

Mas, seja como for, para registro: eu compreendo perfeitamente a importância das expectativas – suficientemente bem para saber que levar em conta essas expectativas fortalece, e não enfraquece, a defesa do estímulo.

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Após a crise, um milagre na Islândia
1 de julho de 2010 | 17h14

Paul Krugman

A Islândia é, sem dúvida, a protagonista de uma das maiores histórias de desastre econômico de todos os tempos. Uma economia que produziu um padrão de vida decente para o seu povo foi efetivamente sequestrada por uma combinação de ideologia de livre mercado e capitalismo mafioso; um dos estudos apresentados na conferência da qual acabo de participar em Luxemburgo mostra que os benefícios da bolha financeira incidiram principalmente sobre uma pequena minoria no topo da pirâmide da distribuição de renda:



E, no processo de construção de impérios financeiros de curta duração, um punhado de operadores acumulou imensas dívidas que devem agora ser quitadas por seus concidadãos.

Mas há um epílogo interessante nesta história. Diferentemente de outras economias em situação desastrosa na periferia da Europa – economias que tentam se reabilitar por meio da austeridade e da deflação -, a Islândia acumulou uma dívida de tamanhas proporções e se viu numa situação tão difícil que a ortodoxia estava fora de questão. Em vez disso, a Islândia promoveu uma grande desvalorização de sua moeda e impôs mecanismos de controle de capitais.

E o resultado foi algo estranho: apesar de em geral considerarmos que a Islândia vivenciou a pior crise financeira de todos os tempos, o castigo sofrido pelo país foi consideravelmente menos severo do que aquele a que outros países foram submetidos. Eis a situação do PIB:



E eis a situação do desemprego:



A moral dessa história parece ser a seguinte: quando surge a perspectiva de uma crise financeira, é melhor que essa crise seja muito, muito ruim. Caso contrário, acabaremos aceitando os conselhos de pessoas que nos garantem que um sofrimento ainda maior é a cura para os males que nos afligem.

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bolha, crise financeira, desemprego, Islândia, PIB
Uma ameaça terrível surgiu
29 de junho de 2010 | 16h35

Paul Krugman

Liz Alderman fez um retrato excelente, embora deprimente, da Irlanda na austeridade. Para avaliar plenamente seu significado, gostaria de justapor o que os apóstolos da austeridade andam dizendo. Jean-Claude Trichet:

“No que se refere à economia, a noção de que medidas de austeridade podem provocar uma estagnação econômica é incorreta”, disse ele, de acordo com a transcrição de um artigo em inglês publicado no website do Banco Central Europeu.

“Acredito firmemente que, nas atuais circunstâncias, políticas que inspirem confiança irão fomentar e não frear a recuperação econômica porque a confiança é um fator chave hoje.”

Ahã.

O elemento chave a se ter em mente quanto a esses apelos em favor de uma severa austeridade para fazer face a uma economia combalida é que eles se baseiam em duas proposições, não uma. Não só você tem de acreditar que os vigilantes invisíveis do mercado de títulos estão prontos para o ataque – e você precisa fazer alguma coisa para acalmar os mercados, mesmo que neste exato momento os compradores de títulos estejam dispostos a emprestar dinheiro para os Estados Unidos a taxas muito baixas; e também tem de acreditar que os cortes de impostos irão, de fato, acalmar os mercados se eles, realmente, perderem a confiança.

É por isso que a ruína irlandesa é tão importante. Supunha-se que essa cruel austeridade traria compensações; a tese aceita de que isso ocorrerá é tão forte que, com frequência, lemos notícias dizendo que isso de fato tem ocorrido, que a determinação da Irlanda vem impressionando e tranquilizando os mercados financeiros. Mas na verdade isso não tem se verificado: a eficaz e sofredora Irlanda não está ganhando nada.

Naturalmente, sei o que virá a seguir: vamos ouvir que os irlandeses não estão agindo o suficiente e precisam fazer mais. Se sangramos o paciente e ele fica ainda mais doente, devemos sangrá-lo um pouco mais.

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austeridade, FMI, Irlanda, mercados, títulos, Trichet
A terceira depressão
28 de junho de 2010 | 19h35

Paul Krugman

Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve apenas duas eras na história econômica qualificadas como “depressões” na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.

Nem a Longa Depressão do século 19, nem a Grande Depressão, no século 20, registraram um declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram períodos em que a economia cresceu. Mas esses períodos de melhora jamais foram suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e foram seguidos de recaídas.

Receio que estamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, sobretudo, para os milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego – será imenso.

E esta terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no profundamente desanimador encontro do G-20, no fim de semana -, os governos se mostram obcecados com a inflação quando a verdadeira ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.

Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juros para enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e do BCE (Banco Central Europeu) cortaram os juros e partiram em apoio aos mercados de crédito. Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para fazer frente a uma economia em forte declínio, os governos hoje deixam os déficits aumentarem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão provocada pela crise financeira acabou no verão (no hemisfério norte) passado.

Mas os futuros historiadores irão nos dizer que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma maneira que a retomada econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente o desemprego a longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos e não dão sinal de queda. E tanto Estados Unidos como Europa estão próximos de cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão.

Diante desse quadro sombrio, você poderia esperar que os legisladores tivessem entendido que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do equilíbrio orçamentário e da moeda forte.

O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa, onde as autoridades parecem estar usando os discursos de Herbert Hoover para fundamentar sua retórica, incluindo a afirmação de que elevar impostos e cortar gastos vai expandir a economia, melhorando a confiança nos negócios. Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O Fed parece consciente dos riscos de uma deflação – mas o que propõe fazer com relação a esses riscos é, bem, nada.

O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas como os republicanos e democratas conservadores do Congresso não aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se impõe de qualquer maneira, com os cortes no orçamento estaduais e municipais.

Por que essa virada equivocada da política? Os radicais com frequência referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há nenhuma evidência de que uma austeridade a curto prazo, face a uma economia deprimida, vai tranquilizar os investidores. Pelo contrário: a Grécia concordou com a adoção de um plano severo de austeridade, mas viu seus riscos se ampliarem ainda mais; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco maior do que a Espanha, que até agora reluta em adotar medidas drásticas propugnadas pelos radicais.

É como se os mercados financeiros entendessem o que os legisladores aparentemente não compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente.

Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia, ou com qualquer apreciação realista sobre o que priorizar, déficits ou empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos tempos difíceis, é preciso impor o sofrimento para outras pessoas pra mostrar liderança.

E quem irá pagar o preço pelo triunfo dessas teses conservadoras ? A resposta é: dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar.

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austeridade, deflação, Depressão, G-20, Grande Depressão, Longa Depressão, recessão
Os amigos invisíveis
28 de junho de 2010 | 17h38

Paul Krugman



Escrevi em outras oportunidades sobre o estranho poder dos vigilantes invisíveis dos títulos da dívida:

Uma coisa é sentir-se intimidado pelos vigilantes desse mercado. Outra bem diferente é sentir-se intimidado pelo medo de que os vigilantes possam surgir um dia desses, embora atualmente tenhamos condições de vender títulos de longo prazo a uma taxa de juros inferior a 3,5%.

E, no entanto, de acordo com alguns boatos, é exatamente isso que está acontecendo.

Desde que escrevi esse post, a taxa de longo prazo caiu para 3,12%.

Mas mais estranho ainda é, de certo modo, o poder dos amigos invisíveis do mercado de títulos, que premiam as pessoas quando elas se infligem uma punição suficientemente severa. Vejam este artigo na Reuters, que nos afirma que:

Uma reação do mercado contra os países que estariam demorando para reduzir o seu endividamento e os déficits provocou cortes do orçamento em toda a Europa porque os governos tentavam desse modo conter os gastos.

Isso parece implicar que os países que não demoraram para agir neste sentido foram premiados, certo? E isso muitas vezes é comentado como algo que, de fato, aconteceu – porque se supõe que deva acontecer.

Mas os benefícios da austeridade continuam, bem, invisíveis. Os spreads de risco da Irlanda são piores do que os da Espanha, embora a Irlanda não tenha perdido tempo em se flagelar, enquanto a Espanha hesitava. A confiança do mercado na Grécia declinou desde que o governo aceitou o plano de austeridade do Fundo Monetário Internacional (FMI).

É estranho: é como se os mercados de títulos não acreditassem que o sofrimento a curto prazo que não contribui para melhorar as perspectivas de orçamento de um país no longo prazo, mas leva à depressão e à deflação, o torna uma aposta segura. Mas eu tenho um coelho de 1,80 metro que diz que estão errados. Olá, Mr. Smith.

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austeridade, Espanha, Grécia, Irlanda, mercados, títulos
A longo prazo, ainda estamos todos mortos
25 de junho de 2010 | 16h22

Paul Krugman

Portanto, lendo Mohamed El-Erian, sinto-me um pouco perdido quanto ao que ele está realmente falando; qual é, exatamente, a sua recomendação política? Mas, de qualquer maneira, eis o que me impressiona: ele escreve.

O mundo está enfrentando mudanças estruturais profundas, mas seus líderes se apegam a uma perspectiva cíclica, de curto prazo.

Discordo. O nosso problema é o oposto. Fale para as autoridades alemãs do alto índice de desemprego e a ameaça cada vez mais presente da deflação e elas começarão a divagar sobre o desafio demográfico e o custo das aposentadorias.

Quero dizer, por que não devemos nos concentrar no ciclo econômico? Sofremos a pior desaceleração cíclica desde a Grande Depressão; em termos de desemprego e de déficits de produção, não recuperamos quase nada do terreno perdido. Milhões de trabalhadores estão parados por falta de demanda; se continuarem sem trabalho, vamos transformar a situação num problema estrutural de longo prazo, mas, no momento, esse é, precisamente, um problema cíclico e de curto prazo.

Assim, dizer que precisamos nos concentrar no longo prazo e não nos preocupar com problemas triviais de curto prazo, como esta que é a mais alta taxa de desemprego desde a Grande Depressão, pode parecer sensato, mas o fato é que é loucura.

Ah, tem um outro aspecto – não sobre El-Erian, mas sobre alguns legisladores e economistas: a tentativa de afastar a discussão do curto prazo não é, como sempre é retratado, um ato corajoso. Pelo contrário, é uma covardia, uma tentativa de fugir da responsabilidade por uma situação desastrosa que podemos resolver, mas preferimos não fazê-lo.

Keynes definiu corretamente:

Mas este longo prazo é um guia enganador para os problemas vigentes. A longo prazo estamos todos mortos. Os economistas assumem uma tarefa fácil demais, inútil demais também, se numa fase tempestuosa só conseguem nos dizer que o temporal passou muito depois de o oceano já ter se acalmado.

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cíclico, ciclo econômico, curto prazo, desemprego, estímulos, Keynes, longo prazo
Eles realmente me odeiam
23 de junho de 2010 | 17h26

Paul Krugman

Por meio do Wall Street Journal, vejo que um dos Especialistas Econômicos da Alemanha me criticou por causa dos comentários negativos que fiz a respeito de Axel Weber:

Wolfgang Franz, presidente do conselho de assessores econômicos do governo alemão – conhecidos como Especialistas Econômicos – , criticou Krugman e os Estados Unidos num editorial publicado na edição de quarta feira de um jornal econômico alemão, sob o título de `O que acha de alguns fatos, sr. Krugman?’

`Em qual país teve início a crise financeira? Qual foi o banco central responsável por adotar uma política monetária excessivamente relaxada? Qual foi o país que fez a escolha errada nas políticas sociais ao incentivar lares de baixa renda a solicitar empréstimos hipotecários que jamais seriam capazes de pagar? Quem foi que flexibilizou a regulação que limitava os níveis de alavancagem dos bancos de investimento em 2000, permitiu que o Lehman Brothers quebrasse em 2008 e empurrou os mercados financeiros mundiais na direção do caos?’ escreveu ele.

Naturalmente, um artigo intitulado “O que acha de alguns fatos?” se equivoca em relação a alguns dos fatos mais básicos. A crise não foi provocada pelo incentivo do governo aos lares de baixa renda para que solicitassem empréstimos; trata-se de uma mentira zumbi, e o fato de os funcionários do governo alemão não saberem disso nos diz muito.

Quanto ao restante da crítica: não tenho saudade da fraca regulação fiscal nos EUA. Mas considero preocupante que os alemães ainda pensem que esta crise foi obra dos americanos. A verdade é que a bolha imobiliária europeia era tão grande quanto a americana ou até maior do que ela; não na Alemanha, é claro, mas foram as exportações de capital alemãs que alimentaram as bolhas na Irlanda e na Espanha. Esta crise envolveu o Atlântico Norte, manifestando-se com severidade comparável em ambos os lados do oceano.

Sem dúvida, os EUA pecaram; mas outros países também o fizeram; e a política de extremo rigor que deve ser imposta por Axel Weber caso ele se torne presidente do Banco Central Europeu será um novo pecado, capaz de condenar a Europa a um sombrio futuro de estagnação e deflação.

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Alemanha, BCE, bolha imobiliária, crise financeira, juros, política monetária
Os zumbis já assassinaram a comissão do déficit
21 de junho de 2010 | 15h39

Paul Krugman

A ideia deve ter parecido boa (embora não aos meus olhos): estabelecer uma comissão bipartidária formada por Pessoas Sérias com o objetivo de retomar o controle sobre o orçamento federal.

Mas a comissão já está morta – foi assassinada por zumbis.

O problema imediato está nas declarações de Alan Simpson, copresidente da comissão. O que chamou a atenção dos repórteres foi a combinação entre incrível insensibilidade – ele fala em “pessoas inferiores” – e grosseiros erros factuais.

Na verdade, as coisas são muito piores. Em relação à Previdência Social, Simpson está repetindo uma mentira zumbi – ou seja, uma daquelas declarações equivocadas que, apesar de já ter sido refutada incontáveis vezes, insiste em voltar às discussões.

Mais especificamente, Simpson ressuscitou a velha falácia de que a Previdência Social vai quebrar assim que a arrecadação das contribuições sobre folha de pagamento se tornar inferior ao volume de benefícios pagos, independentemente do superávit na arrecadação registrado nos 25 anos precedentes.

Já nos aprofundamos bastante neste assunto em 2005, mas me parece hora de recuperar a explicação.

A Previdência Social é um programa do governo financiado por um imposto específico. Há duas maneiras de se enxergar isso. Primeiro, pode-se encarar o programa como parte do orçamento federal, e a questão do imposto específico torna-se mera formalidade. Há muito a ser dito a respeito desse ponto de vista; para seus adeptos, os benefícios são um custo federal, a contribuição sobre folha de pagamento é uma fonte de arrecadação, e as duas coisas na verdade nada têm a ver uma com a outra.

Por outro lado, pode-se encarar a Previdência Social como algo distinto. Em termos práticos, isso tem importância considerável; enquanto a Previdência Social ainda dispuser de recursos em seu fundo de pensão não será necessária uma nova legislação para honrar o pagamento dos benefícios prometidos.

Dois pontos de vista, ambos de certa utilidade. O problema é que não se pode alternar entre eles ao bel prazer. Não se pode dizer que nos últimos 25 anos, enquanto a arrecadação da Previdência registrou superávits, isso nada significou porque o sistema previdenciário é apenas parte do governo federal – mas, quando as contribuições sobre folha de pagamento não forem mais capazes de financiar os benefícios, a Previdência Social estará quebrada, mesmo com uma imensa reserva de recursos em seu fundo de pensão.

Pensemos no que realmente acontece quando a arrecadação da contribuição sobre folha de pagamento torna-se inferior ao custo dos benefícios: ABSOLUTAMENTE NADA. Não é necessária nenhuma medida adicional; os cheques não param de ser emitidos.

Assim, o que devemos pensar ao ver o copresidente da comissão ressuscitando uma mentira zumbi? Isso significa que, mesmo no nível de debate mais elementar, das duas, uma: A) ele não está disposto a dialogar com boa fé ou B) os zumbis devoraram o cérebro dele. Em todo caso, não há motivo para dar prosseguimento a essa farsa.

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comissão, contribuição, déficit, fundo, orçamento, previdência social
Fantasias fiscais
18 de junho de 2010 | 15h56

Paul Krugman

É mesmo incrível a velocidade com que está se espalhando a ideia de que uma política de contração fiscal seja de fato capaz de promover uma expansão. Como apontei ontem, a visão panglossiana tornou-se agora a doutrina oficial do Banco Central Europeu.

Mas tal opinião se baseia exatamente em quê? Parcialmente em ideias vagas a respeito de confiança e credibilidade, mas, principalmente, em supostas lições ensinadas pela experiência de países que vivenciaram uma expansão econômica após a implementação de grandes programas de austeridade.

No entanto, se analisarmos tais casos, veremos que cada um deles envolve elementos centrais que os tornam inúteis enquanto precedentes para nossa situação atual.

Eis aqui uma lista de reviravoltas fiscais que deveriam nos servir como modelo de conduta. O que podemos dizer a respeito?

Canadá, 1994-1998: A contração fiscal se deu quando a recuperação já estava encaminhada, com uma forte alta nas exportações, enquanto o Banco do Canadá cortava os juros. Como explica Stephen Gordon, tudo isso significa que a experiência tem poucas lições a ensinar em se tratando de políticas econômicas para situações em que o mundo todo vive uma depressão e os juros já estão no mais baixo patamar possível.

Dinamarca, 1982-1986: É verdade que os gastos particulares registraram aumento – principalmente em decorrência de uma queda de 10% nos juros de longo prazo, situação difícil de reproduzir quando os juros das principais economias se encontram atualmente na casa dos 2% ou 3%.

Finlândia, 1992-2000: É possível implementar uma contração fiscal acentuada numa economia em expansão se houver também indícios da formação de um superávit em conta corrente equivalente a mais de 12% do PIB. Assim, se o mundo todo puder apresentar imensos superávits comerciais, tudo ficará bem.

Irlanda, 1987-1989: Já comentamos este caso. Vamos todos partir para a desvalorização! Além disso, o histórico dos juros irlandeses se assemelhava ao do exemplo dinamarquês.

Suécia, 1992-2000: Outro caso de tendência à formação de superávit comercial.

Como vemos, cada uma dessas histórias afirma que é possível passar por uma contração fiscal sem provocar uma depressão na economia SE os efeitos depressivos forem compensados pela formação de consideráveis superávits comerciais e/ou por acentuadas quedas nos juros. Já que o mundo como um todo não pode avançar para um superávit e como as principais economias já apresentam juros baixíssimos, nada disso é relevante para nossa situação atual.

Ainda assim, tais casos são citados como motivos para não se preocupar com a possibilidade de a austeridade virar lei.

Sabem de uma coisa? Estou preocupado.

Fonte: http://blogs.estadao.com.br/paul-krugman/

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