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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Assange: A manipulação de informações pela mídia é mais perigosa à democracia do que a de governos

"Não somos uma organização exclusivamente da esquerda. Somos uma
organização exclusivamente pela verdade e pela justiça".

Essa é apenas uma das muitas afirmações feitas pelo fundador e
publisher do WikILeaks, Julian Assange, em entrevista exclusiva a
internautas brasileiros. Essa iniciativa só foi possível graças à ação
articulada da blogosfera e, claro, aos internautas que enviaram
questões.

No total foram cerca de 350 perguntas, das quais doze foram
escolhidas. Na entrevista, Assange explica por que trabalha em
parceria com a grande mídia e debate a manipulação de informação e
como o vazamento de dados pode alterar a atuação dos governos.

Vários internautas - O WikiLeaks tem trabalhado com veículos da grande
mídia – aqui no Brasil, Folha e Globo, vistos por muita gente como
tendo uma linha política de direita. Mas além da concentração da
comunicação, muitas vezes a grande mídia tem interesses próprios. Não
é um contra-senso trabalhar com eles se o objetivo é democratizar a
informação? Por que não trabalhar com blogs e mídias alternativas?

Por conta de restrições de recursos ainda não temos condições de
avaliar o trabalho de milhares de indivíduos de uma vez. Em vez disso,
trabalhamos com grupos de jornalistas ou de pesquisadores de direitos
humanos que têm uma audiência significativa. Muitas vezes isso inclui
veículos de mídia estabelecidos; mas também trabalhamos com alguns
jornalistas individuais, veículos alternativos e organizações de
ativistas, conforme a situação demanda e os recursos permitem.

Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a
prestar contas sobre o que fazem. No caso do Brasil, que tem um
governo de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de
centro-direita para um melhor escrutínio dos governantes. Em outros
países, usamos a equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com
um veículo governista e um de oposição.

Marcelo Salles – Na sua opinião, o que é mais perigoso para a
democracia: a manipulação de informações por governos ou a manipulação
de informações por oligopólios de mídia?

A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque
quando um governo as manipula em detrimento do público e a mídia é
forte, essa manipulação não se segura por muito tempo. Quando a
própria mídia se afasta do seu papel crítico, não somente os governos
deixam de prestar contas como os interesses ou afiliações perniciosas
da mídia e de seus donos permitem abusos por parte dos governos. O
exemplo mais claro disso foi a Guerra do Iraque em 2003, alavancada
ela grande mídia dos Estados Unidos.

Eduardo dos Anjos – Tenho acompanhado os vazamentos publicados pela
sua ONG e até agora não encontrei nada que fosse relevante, me parece
que é muito barulho por nada. Por que tanta gente ao mesmo tempo
resolveu confiar em você? E por que devemos confiar em você?

O WikiLeaks tem uma história de quatro anos publicando documentos.
Nesse período, até onde sabemos, nunca atestamos ser verdadeiro um
documento falso. Além disso, nenhuma organização jamais nos acusou
disso. Temos um histórico ilibado na distinção entre documentos
verdadeiros e falsos, mas nós somos, é claro, apenas humanos e podemos
um dia cometer um erro. No entanto até o momento temos o melhor
histórico do mercado e queremos trabalhar duro para manter essa boa
reputação.

Diferente de outras organizações de mídia que não têm padrões claros
sobre o que vão aceitar e o que vão rejeitar, o WikiLeaks tem uma
definição clara que permite às nossas fontes saber com segurança se
vamos ou não publicar o seu material.

Aceitamos vazamentos de relevância diplomática, ética ou histórica,
que sejam documentos oficiais classificados ou documentos suprimidos
por alguma ordem judicial.

Vários internautas – Que tipo de mudança concreta pode acontecer como
consequência do fenômeno Wikileaks nas práticas governamentais e
empresariais? Pode haver uma mudança na relação de poder entre essas
esferas e o público?

James Madison, que elaborou a Constituição americana, dizia que o
conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. Então as pessoas
que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o
conhecimento traz. Essa filosofia de Madison, que combina a esfera do
conhecimento com a esfera da distribuição do poder, mostra as mudanças
que acontecem quando o conhecimento é democratizado.

Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder sobre o pensamento
individual ao negar informação aos indivíduos. É esse vácuo de
conhecimento que delineia quem são os mais poderosos dentro de um
governo e quem são os mais poderosos dentro de uma corporação.

Assim, o livre fluxo de conhecimento de grupos poderosos para grupos
ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder, e portanto
uma força equalizadora e democratizante na sociedade.

Marcelo Träsel - Após o Cablegate, o Wikileaks ganhou muito poder.
Declarações suas sobre futuros vazamentos já influenciaram a bolsa de
valores e provavelmente influenciam a política dos países citados
nesses alertas. Ao se tornar ele mesmo um poder, o Wikileaks não
deveria criar mecanismos de auto-vigilância e auto-responsabilização
frente à opinião pública mundial?

O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem.

Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais,
porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização
essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para levar
informação às pessoas.

O WikiLeaks é financiado pelo público, semana a semana, e assim eles
"votam" com as suas carteiras.

Além disso, as fontes entregam documentos porque acreditam que nós
vamos protegê-las e também vamos conseguir o maior impacto possível.
Se em algum momento acharem que isso não é verdade, ou que estamos
agindo de maneira antiética, as colaborações vão cessar.
O WikiLeaks é apoiado e defendido por milhares de pessoas generosas
que oferecem voluntariamente o seu tempo, suas habilidades e seus
recursos em nossa defesa. Dessa maneira elas também "votam" por nós
todos os dias.

Daniel Ikenaga – Como você define o que deve ser um dado sigiloso?

Nós sempre ouvimos essa pergunta. Mas é melhor reformular da seguinte
maneira: "quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo
de informação do resto da população?"

A resposta é clara: nem todo mundo no mundo e nem todas as pessoas em
uma determinada posição. Assim, o seu médico deve ser responsável por
manter a confidencialidade sobre seus dados na maioria das
circunstâncias – mas não em todas.

Vários internautas – Em declarações ao Estado de São Paulo, você disse
que pretendia usar o Brasil como uma das bases de atuação do
WikiLeaks. Quais os planos futuros? Se o governo brasileiro te
oferecesse asilo político, você aceitaria?

Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal
e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro.
Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a
outros países, decidimos expandir nossa presença no país. Infelizmente
eu, no momento, estou sob prisão domiciliar no inverno frio de
Norfolk, na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente
Brasil.

Vários internautas – Você teme pela sua vida? Há algum mecanismo de
proteção especial para você? Caso venha a ser assassinado, o que vai
acontecer com o WikiLeaks?

Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças que
sofremos. Acreditamos profundamente na nossa missão e não nos
intimidamos nem vamos nos intimidar pelas forças que estão contra nós.

Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por exemplo,
quando eu estava recentemente na prisão por cerca de dez dias, as
publicações de documentos continuaram.

Além disso, nós também distribuímos cópias do material que ainda não
foi publicado por todo o mundo, então não é possível impedir as
futuras publicações do WikiLeaks atacando o nosso pessoal.

Helena Vieira - Na sua opinião, qual a principal revelação do
Cablegate? A sua visão de mundo, suas opiniões sobre nossa atual
realidade mudou com as informações a que você teve acesso?

O Cablegate cobre quase todos os maiores acontecimentos, públicos e
privados, de todos os países do mundo – então há muitas revelações
importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria dessas
revelações ainda está por vir.

Mas, se eu tiver que escolher um só telegrama, entre os poucos que eu
li até agora – tendo em mente que são 250 mil – seria aquele que pede
aos diplomatas americanos obter senhas, DNAs, números de cartões de
crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações –
entre elas a ONU.

Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança
Nacional aos diplomatas americanos, revelando uma zona sombria no
vasto aparato secreto de obtenção de inteligência pelos EUA.

Tarcísio Mender e Maiko Rafael Spiess - Apesar de o WikiLeaks ter
abalado as relações internacionais, o que acha da Time ter eleito Mark
Zuckerberg o homem do ano? Não seria um paradoxo, você ser o
"criminoso do ano", enquanto Mark Zuckerberg é aplaudido e laureado?

A revista Time pode, claro, dar esse título a quem ela quiser. Mas
para mim foi mais importante o fato de que o público votou em mim numa
proporção vinte vezes maior do que no candidato escolhido pelo editor
da Time. Eu ganhei o voto das pessoas, e não o voto das empresas de
mídia multinacionais. Isso me parece correto.

Também gostei do que disse (o programa humorístico da TV americana)
Saturday Night Live sobre a situação: "Eu te dou informações privadas
sobre corporações de graça e sou um vilão. Mark Zuckerberg dá as suas
informações privadas para corporações por dinheiro – e ele é o 'Homem
do Ano'."

Nos bastidores, claro, as coisas foram mais interessantes, com a
facção pró-Assange dentro da revista Time sendo apaziguada por uma
capa bastante impressionante na edição de 13 de dezembro, o que abriu
o caminho para a escolha conservadora de Zuckerberg algumas semanas
depois.

Vinícius Juberte – Você se considera um homem de esquerda?

Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e
definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as
pessoas boas e trabalhar por uma causa comum.

Agora, independente da tendência política, vejo que os políticos que
deveriam controlar as agências de segurança e serviços secretos
acabam, depois de eleitos, sendo gradualmente capturados e se tornando
obedientes a eles.

Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os
governantes, nós estaremos do lado das pessoas.

Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá
margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de
esquerda. Não é correto. Somos uma organização exclusivamente pela
verdade e justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.

Ariely Barata – Hollywood divulgou que fará um filme sobre sua
trajetória. Qual sua opinião sobre isso?

Hollywood pode produzir muitos filmes sobre o WikiLeaks, já que quase
uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em
nenhuma produção de filme no momento.

Mas se nós vendermos os direitos de produção, eu vou exigir que meu
papel seja feito pelo Will Smith. O nosso porta-voz, Kristinn
Hrafnsson, seria interpretado por Samuel L Jackson, e a minha bela
assistente por Halle Berry. E o filme poderia se chamar "WikiLeaks
Filme Noire".

Fonte: http://www.viomundo.com.br/entrevistas/julian-assange-a-manipulacao-de-informacoes-pela-midia-e-mais-perigosa-a-democracia-do-que-a-feita-por-governos.html

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