Tv Radio Corredor
Assista        TV Radio Corredor NCE em streaming video                         ...bata um papo de corredor em vídeo chat                                           ...de um lugar qualquer
terça-feira, 8 de junho de 2010
PARTE II - A TRANSIÇÃO
Durante o ano de 1968 algumas mudanças estavam começando a acontecer. O Ysmar estava saindo para o seu doutorado em Berkeley e o Major, por razões que eu ainda não entendia, estava muito agitado e pensativo sobre sua possível volta a Berkeley para um doutoramento. Eu não entendia duas coisas: primeiro - porque esse doutoramento seria tão importante para que o Major, que já era um professor muito conhecido e importante na época, se dispusesse a suspender todas as suas atividades aqui para dedicar pelo menos quatro anos a isso; segundo - já que isso era tão importante assim, então porque era tão difícil de resolver para êle? Porquê êle achava que não estava mais na idade para isso?
Hoje eu acho que entendo. Primeiro - para se ocupar uma posição de liderança é imprescindível contar com respeito técnico e moral por parte de seus colegas e subordinados pois, caso contrário, tudo fica muito mais difícil. Segundo - Ah! Isso vocês vão ter que esperar até que eu conte como é a vida em Berkeley...
Em todo caso, a saída do Major implicava em se ter um novo chefe no DCC. Quem poderia ser? A computação era ainda muito nova e seria muito sensível a uma mudança brusca de orientação. Era preciso alguém que tivesse muita experiência com computadores e que tivesse também uma boa formação acadêmica pois, afinal nós estávamos em uma universidade; só um professor consegue argumentar com outro professor...
Eu soube que não faltaram sugestões de se indicar quem sabe o professor fulano da engenharia, muito boa praça apesar de não saber nada de computador... essas idéias são
muito antigas mas volta e meia voltam a aparecer, Felizmente o Major foi muito firme pois uma bobagem nessa hora teria feito uma historia muito diferente.
Denis França Leite, ex-aluno do Major no ITA, tinha o Mestrado em Computação pela Purdue University e devia estar muito tranquilo e feliz com sua família trabalhando na IBM no laboratório de Poughkeepsie, N.Y.
Não vou contar para vocês a história de como o Major conseguiu convencê-lo a voltar pois eu não conheço os detalhes. Só sei dizer que os amigos do Denis disseram que êle estava louco em voltar para cá.
O novo chefe era mineiro, muito sério e falava pouco. Nosso conhecimento do 1130 já era bastante bom mas, com o novo chefe veio a ganhar uma nova dimensão que se iniciou com o incidente que vou contar...
Um dia, começamos a notar que o chefe estava chegando todos os dias muito cedo e sempre o encontrávamos na sala do 1130 olhando para as luzinhas do painel. Desde esse tempo já gostávamos de sugar conhecimento de qualquer um que soubesse um pouco mais que nós e o chefe não era exceção. Na verdade o chefe ficou muito satisfeito com nossa disposição e passou até a nos reunir regularmente para nos ensinar o grande assunto da moda: Como funciona a tal de interrupção!
Pouco tempo depois acabamos descobrindo o que que êle vinha fazer tão cedo todos os dias. Foi quando nos passou um dever de casa para decifrar a "partida fria" um cartão perfurado em binário que precisava ser lido sempre que o computador devia ser inicializado. Depois de muito apanhar, descobri que aquele cartão era um programa que carregava o sistema operacional do disco e lhe transferia o controle.
Provavelmente a razão que levou o chefe a esse passatempo deve ter sido o desejo de ter um conhecimento básico completo sobre aquela máquina (depois disso, tudo era fácil). Mas eu lhes digo que também serviu para outra coisa: não foi só a máquina que êle conquistou mas também a nós pois com isso ficamos convencidos de que o chefe realmente sabia muito mais do que nós e que merecia a nossa confiança...
E o nosso primeiro vestibular? Vocês sabem como foi? Para começar ainda não existia Cesgranrio; o (Carlos Alberto) Serpa coordenava o vestibular de engenharia na PUC e cada escola fazia o seu vestibular isoladamente. De alguma maneira, o pessoal da medicina da UFRJ se interessou em ver se nós estávamos em condições de fazer o trabalho. Assim ficamos conhecendo o prof. Bruno Lobo (uma das figuras mais interessantes que conheci nesta universidade) e o Michel Jourdan, que era o secretário da faculdade de medicina.
As provas tinham até 100 questões sendo que cada cartão comportava somente 25; logo, cada aluno tinha 4 cartões! Vocês podem imaginar a mão de obra e os problemas decorrentes...
Neste primeiro concurso tínhamos 4556 candidatos! Como eu já havia dito, a leitora do 1130 era uma carroça e, por isso eu resolvi fazer a leitura com as minhas próprias rotinas de interrupção para ser mais rápido. Vejam o que aconteceu:
Os 4 cartões de cada candidato deveriam estar juntos; caso isso não acontecesse, meu programa provocaria uma parada da máquina para que fosse feita uma verificação. Quase na hora de começar a correção observamos em um ultimo teste que algumas faltas de cartão não estavam sendo detetadas! Isso porque a parada era feita antes do cartão acabar de ser lido, quando a leitora acabava, gerava uma interrupção e a minha parada ia pra cucuia...
E vocês acham que as leitoras HP são ruins? Só pode ser porque vocês nunca usaram a Mark-Sense! Essa máquina lia os cartões com marcas de grafite e perfuravam no local correspondente; a velocidade já era muito lenta, cerca de 100 cartões por minuto. Mas o pior mesmo é que, as vezes a máquina saia perfurando várias colunas onde não havia marca nenhuma! Vocês sabiam que os buraquinhos de cartão podem ser tapados? Era isso que tínhamos que fazer na mão!
Para diminuir a mão de obra para o ano seguinte, bolei o cartão de 100 respostas (50 de cada lado) que foi o objeto da primeira patente requerida em nome do NCE-UFRJ!
Nosso trabalho cresceu muito nessa fase e o 1130 também foi bastante expandido passando a ter 32K palavras de memória, mais duas unidades de disco, uma impressora 1403 de 600 linhas por minuto (que ainda se encontra em serviço no NCE hoje, sabiam?) e uma leitora de 1000 cartões por minuto. Também nossa equipe foi crescendo: O Guilherme (Chagas Rodrigues) que trabalhava no Instituto de Engenharia Nuclear veio usar o 1130 e acabou ficando aqui; O Luciano Pereira, recém voltando da França também ficou conosco, vieram alguns outros colegas como o Pedro Brando e o Leovegildo e, mais tarde, o Pedro Salenbauch que acabava de se formar.
Também nessa época o Fábio (Marinho de Araújo) veio trabalhar conosco por um tempo e voltou definitivamente um pouco mais tarde. O Augusto foi transferido para outro departamento da Coppe e o Walter ficou no seu lugar; para agilizar a datilografia (já que não existiam micros com redator) o DCC comprou uma máquina Friden que trabalhava com fita perfurada sendo portanto capaz de funcionar limitadamente como um editor de texto. Em seguida recebemos uma secretária para trabalhar com a Friden: a Vera.
Lembro-me de uma conversa que ouvi no corredor de dois estudantes que acabavam de sair do DCC (que ficava no bloco F):
- Então cara, você viu o computador?
- Vi sim, mas isso não é nada, ali do lado tinha uma máquina que ficava escrevendo enquanto a moça ficava só pensando...
O cartão de 100 colunas foi um verdadeiro avanço tecnológico que nos deu uma grande vantagem sobre o ano anterior mas foi no vestibular de 70 que ocorreu o episódio do "bit misterioso".
O Bite Misterioso.
Miguel e Couceiro estavam na Alemanha fazendo um estágio na Telefunken e eu e o Brando ficamos cuidando do vestibular. A entrega final dos resultados estava prevista para ser feita em até 24 horas após a última prova. Nessa ocasião, nosso trabalho começava às sete da manhã pois acompanhávamos a realização da prova no maracanã. A correção, propriamente, iniciar-se-ia no fim da tarde quando os cartões já estivessem devidamente perfurados e verificados.
Até aí não tivemos problemas inesperados; alguns cartões estraçalhados, outros mal perfurados mas, tudo bem, tudo isso estava previsto e, como previsto, por volta das seis da tarde estávamos prontos para iniciar a correção. De fato esta se iniciou e se concluiu sem problemas (bendito cartão de 100 colunas! Glória eterna ao seu inventor!)) e, em breve, só faltava colocar os candidatos em ordem pelo número de pontos e tirar a listagem classificatória. Não pude evitar um pensamento otimista: "Puxa, acho que dentro de três horas estamos com tudo pronto!”.
Mas que nada, vejam vocês que, pela primeira vez na vida ocorreu erro de paridade na memória do 1130 durante o processamento da classificação. Não tenho bem certeza mas acho que o nosso contrato de manutenção só nos dava atendimento durante o expediente normal e, por isso, o atendimento técnico só seria feito no dia seguinte... Mas ai quando entregaríamos o resultado? Nem bem estávamos inaugurando a tradição das 24 horas e já íamos falhar no segundo ano? O que fazer?
Não preciso lembrar que não tínhamos o nosso técnico como hoje e o único que podia dar algum palpite era o Luciano, que me disse:
- Não podemos fazer muita coisa mas, se você quiser, posso mandar a máquina ignorar o erro e prosseguir; pelo menos assim você pode ter uma idéia do que está acontecendo...
- Manda brasa, respondi, qualquer coisa é melhor do que ficar parado.
Em cerca de quinze minutos a máquina cuspiu uma listagem aparentemente correta, já que não havia nenhum absurdo à vista. Infelizmente, por mais correta que a listagem parecesse, o fantasma do bit de paridade rondava o resultado e nos tirava toda a confiança. E agora?
Que droga! O 1130 já estava com 32K de memória e o erro ocorria lá pela posição 20000. Se eu tivesse um jeito de não usar só esta maldita posição, então tudo poderia estar
resolvido. É, até que tinha um jeito. Eu sabia que a passagem de parâmetros através do COMMON7 no FORTRAN era feita do fim da memória para o começo; isto é a primeira variável do COMMON ficaria na posição 32767, a segunda na 32766 e assim por diante. Eu poderia, portanto, criar uma área de COMMON bem grande de modo a que a posição defeituosa caísse nesta área (que, obviamente não seria utilizada)!
Bem, isso foi fácil fazer. O problema agora era mudar o programa de SORT que mantinha todos os dados na memória (e que agora não iam mais caber nela já que eu estava "jogando fora" uns 12K). Essa mudança não era simples porque além de envolver a inclusão de uma área de trabalho em disco, íar-me-ia mexer com o método SHELL que já era complicado o bastante para mim.
Realmente durante toda a madrugada constatei isso com assistência constante do chefe; Por volta das oito da manhã, finalmente, consegui tirar uma listagem classificatória que constatei ser absolutamente idêntica à obtida no dia anterior...
Muita coisa aconteceu em 69. Devido aos constantes cursos de programação FORTRAN o número de usuários não parava de crescer; já estávamos atendendo até o pessoal da escola de engenharia; trabalhávamos até a meia-noite prontos para rodar 24 horas sem parar e o 1130 já não dava mais vazão. O time da operação foi reforçado para dar cobertura a todos os turnos. Chegaram o Arato e o Paulo I seguidos, pouco depois, pelo Mauro Freitas e Alberto Myiashiro. Foi quando se criou a preferência de recrutar operadores do alojamento universitário.
Foi também quando o chefe teve a idéia de começarmos o que seria o nosso primeiro trabalho de desenvolvimento: o compilador residente COPFOR. Negócio seguinte: a grande parte dos programas que executávamos diariamente (cerca de 200) eram muito simples e gastavam muito mais tempo para serem compilados do que para serem executados. No 1130, como em quase todos os outros computadores, quando se inicia o trabalho o computador carrega o compilador FORTRAN, compila o programa, carrega o programa objeto e aí executa. A ideia era de deixar o compilador residente na memória que ia lendo os cartões, compilando e executando sem perder tempo.
Foi muito oportuna a chegada do Pedro, que já tinha alguma experiência de fazer compiladores, junto com o fato de ser esta a area de interesse do chefe que o orientou. A experiência foi um grande sucesso: de 200 passamos a executar mais de 1000 programas por dia! A idéia foi boa e o trabalho do Pedro foi excelente. Em pouco tempo todos os usuários de 1130 do Brasil estavam pedindo cópias do COPFOR; se não me engano Pedro chegou a exportar duas cópias...
7 COMMON é uma declaração usada em Fotran para passar parâmetros entre subrotinas.
Nesse ano também começou a ser feita alguma coisa em matéria de Pós-graduação em computação dentro do programa de Engenharia
Elétrica. Primeiramente com a colaboração do Ysmar (de volta durante as férias) e, em seguida com o Denis e com o Luciano. Os futuros doutores eram muito prestigiados mesmo quando vinham em visita de férias; quando o Ysmar veio, toda a turma se dignou a ir até o aeroporto para o primeiro alô (por outro lado, quem chegava não aguentava mais de um dia para vir trabalhar. Por isso aconselho aos doutorandos atuais a nunca chegarem aos sábados ou vésperas de feriados porque a angústia seria muito grande).
No entanto, acho que a maior manifestação de carinho foi observada quando eu voltei definitivamente, pois havia uma enorme multidão carregando faixas e mais faixas "benvindo" etc isso me deixou muito emocionado até descobrir que o Miguel Arraes estava chegando no mesmo horário...
Uma tradição inaugurada pelo Ysmar foi a de gerar um grande tumulto cada vez que um futuro Ph. D. vinha trabalhar aqui durante as férias. Cada minuto de papo era disputado no tapa e os minutos que você perdia tinham que ser recuperados com os amigos que estavam presentes para não ficar mal informado!
Ninguém queria ficar sendo o último a saber como se escreve uma expressão aritmética em notação polonesa, como se utiliza um código "hash" para recuperar informação, como funcionava a linguagem de máquina virtual nos computadores da Xerox, e outros assuntos semelhantes...
Esta visita em particular teve duas consequências importantes: as atividades de pós-graduação e a compra de uma nova máquina.
A Pós-Graduação.
Lembro-me que o Ysmar (imaginem só) estava pessimista quanto a possibilidade de se criar uma pós-graduação em computação na Coppe. A seu ver não havia gente suficiente com qualificação e êle mesmo não se sentia qualificado. O Denis é que teve que pôr lenha na fogueira para que a idéia fosse levada ao prof. Coimbra; infelizmente muito pouca gente levava computação a sério naquele tempo. Achavam que havia pouca coisa a ser estudada ou então que muito pouca gente estaria interessada no assunto (vejam só...). Por isso os poucos cursos de computação na pós-graduação: Organização de Computadores, Linguagens de Programação e Compiladores continuaram a ser oferecidos dentro do Programa de Engenharia Elétrica pelo nosso pessoal. Como resultado do esforço de todo o grupo em geral e do chefe, em particular, acabou sendo criado mais tarde o programa de Sistemas e Computação.
Qual não foi o nosso desapontamento ao descobrir que, na proposta em vigor, a computação continuaria dentro do programa de Sistemas do mesmo modo que estava dentro do programa de Elétrica; isto é, um mero apêndice da área principal que mudava de eletricidade para sistemas. Não seria possível criar outro programa em menos de três anos e seria muito difícil mudar esta proposta. Restou ao grupo a obstinação de trabalhar dentro das regras para expandir a nossa área de interesse.
Mas, mal ou bem, a semente estava lançada e nos encarregamos de cultivá-la dia após dia. Todos os cursos de computação eram dados pelo nosso pessoal que, nesta época já não tinham vínculo nenhum com a Coppe. Assim foi criada a pós-graduação em computação e, assim foi, possivelmente, criada a tradição de assumirmos encargos de ensino sem termos vínculos; ou, como outros poderiam preferir dizer, a tradição de nos envolvermos naquilo que não é nossa obrigação.
Com relação à compra de equipamento o Ysmar foi muito mais entusiástico: escreveu muito, discutiu muito, agitou muito. O grupo se comprometeu firmemente a trabalhar neste sentido com o apoio do BNDE e do CNPq.
Logo depois foi convocada uma reunião de todo o DCC para discutir qual deveria ser a máquina; estavam no páreo um IBM /360 modelo 40 e um Burroughs B-5500. A reunião foi realizada na subida da serra de Teresópolis no Soberbo Campestre Clube; em um domingo toda a equipe foi almoçar junta (cada um pagando a sua conta) e, após uma boa discussão, resolvemos ficar com a IBM.
A nova máquina implicaria em vida nova para o DCQ vida nova não é bem o termo, seria melhor dizer que acabou provocando sua morte e ressureição.
Para dar suporte a essa máquina era preciso mais gente, mais espaço e, consequentemente, mais dinheiro. Essa quantidade de dinheiro começou a assustar o prof. Coimbra que logo imaginou uma maneira de como a Coppe pudesse usufruir do equipamento sem ter que arcar com o respectivo ônus. A UFRJ estava tentando se modernizar; outras escolas além da Coppe já começavam a precisar do computador e, agora, também a administração da Universidade precisava dele.
Porque então não transferir o equipamento, pessoal e toda a infraestrutura que já estava funcionando para o órgão de computação que a universidade queria e precisava criar? Assim estava escrito no estatuto da UFRJ e assim foi feito. Em setembro de 1970 foi liberado um suprimento para ser gerido pelo prof. Denis França Leite, coordenador do Núcleo de Computação Eletrônica.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário