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domingo, 23 de maio de 2010

PARTE I - E assim se passaram vinte anos... NCE/UFRJ


"Para quem acredita em Deus, nenhuma explicação é necessária; Para quem não acredita
em Deus, nenhuma explicação é suficiente."


A CHEGADA
Abril de 1967; tinha eu vinte anos e estava cursando o segundo ano da escola de engenharia da UFRJ. Ah! Como eu gostaria de ser um programador! Naquela época os computadores não eram tão populares quanto hoje mas, em todo caso, o meu interesse já havia começado quando, no ano anterior, fiz o meu primeiro curso de programação (Assembler para B-200) logo seguido pelo FORTRAN para o 1130, este último na IBM.
É, mas a luta para se trabalhar em informática (mas o que estou dizendo? Este nome não existia ainda...) já era bem dura... Todo mundo precisava de programadores só que ninguém queria dar a experiência.

Foi nessa época que fiquei sabendo da instalação de um computador 1130 (ora, mas isso era fantástico!) bem no bloco F da Escola de Engenharia (naquele tempo não era Centro de Tecnologia) e assim, eu e meu amigo Miguel1 começamos a garimpar nosso tão almejado estágio.
(1) Miguel Aranha Borges passou toda a sua vida profissional no DCC/NCE. Foi muito atuante na criação do NCE e no grupo do CPD do Hospital Universitário, engenheiro eletrônico pela UFRJ. M.Sc pela Coppe e por Berkeley, faleceu em 1980. A biblioteca do NCE tem o seu nome.

Para nossa estupefação, já em uma de nossas primeiras visitas, um tal de Ysmar comentou que era muito bom que nós tivéssemos aparecido porque êles estavam precisando muito de estagiários, fato este que nos foi confirmado em seguida pelo Major(2) que estava apenas aguardando a liberação de verbas para esse fim.
Verbas? Mas para que verbas, pensamos entre nós, se o Major pensa que vamos ficar esperando por dinheiro para começar a trabalhar está muito enganado. Estamos a fim de aprender e precisamos começar logo, se possivel ainda hoje.
Assim, conseguimos um convite entusiástico do Major para que passássemos a frequentar o DCC(3) sem nenhuma obrigação de modo a irmos nos ambientando.
O DCC contava com pouca gente nesta época: O Major Tercio Pacitti, engenheiro pelo ITA e MJSc por Berkeley que era o chefe; O Ysmar Vianna, recém-formado em engenharia também pelo ITA; o Favilla, engenheiro pela PUC; o Augusto Barbosa, que era o secretário e o Antonio, servente, que mais tarde foi rebatizado de Antonio(4) para diferenciar do Antonio II. Assim que, logo apos a nossa efetivação em julho de 1967, o DCC contava, no total com sete pessoas!
O IBM 1130 era uma graça, tinha 8K palavras (de 16 bits) de memória, um disco do tipo cartucho "cartridge" com capacidade para 512K palavras, uma impressora de 110 linhas por minuto (mas que voce só conseguia ver funcionar a 80) e uma leitora/perfuradora de 400 cartões por minuto (que, igualmente, usando FORTRAN, voce só podia conseguir ler 200 cartões por minuto). Apesar de que esta configuração seja modesta em termos atuais, naquela época era bastante razoável para processamento cientifico e tecnologicamente muito avançada porque éramos uma das primeiras instalações no Brasil a usar sistema operacional em Disco!
Praticamente todos os trabalhos eram feitos em FORTRAN nesta época. Nosso serviço consistia em manter a máquina funcionando e processar os programas de professores e alunos em tese (da Coppe). É claro que ainda não estávamos em condição de dar consultoria, o que só aconteceu alguns meses mais tarde.
Era comum que os usuários ficassem conosco na sala do computador (vocês conseguem imaginar isso?) e, durante a execução dos programas (alguns levavam meia hora!) conversávamos muito, aprendíamos sobre os mais variados assuntos como os Autovetores e Autovalores, a Transformada de Fourier, a Álgebra Booleana, o método de Quine-McKluskey (muito mais tarde cheguei a conhecer o próprio McKluskey), o método de Runge-Kutta... Nessa conversa trocávamos também muitas idéias sobre como programar, o
2 Hoje Brigadeiro Tercio Pacitti.
3 Departamento de Calculo Cientifico, departamento da Coppe destinado a dar apoio computacional aos professores e alunos em tese. Mais tarde se transformou no NCE.
4 Antonio faleceu em 1981.

que foi muito útil para nós e para esses usuários. Algumas vezes chegávamos a desligar a máquina durante o dia para esperar que aparecesse alguém com um programa...
Será que vocês conhecem alguns dos usuários que conhecemos nesta situação? Vamos ver Luiz Guinle, Dirceu Machado, Paulinho Alcantara, Arlindo Rocha, Miguel Hirata, Ricardo Spinelli, Luiz Pinguelli, Zieli, Gilberto Alves da Silva, Belkis e Benjamin Valdman, Paulo Lemos, Antonio Cláudio Sochaczewski, José Abel Royo dos Santos (mais tarde reitor de Itajubá e que me ensinou os cumprimentos Ad nub e Ad rem, mais próprios para a universidade do que ôi e olá)...
Além dos alunos em tese, tínhamos também alguns usuários externos notadamente o pessoal da GE, que eram o Lourenço, o Queiroz e equipe; Lourenço e Queiroz, mais tarde se tornaram professores da Elétrica da Coppe, a "equipe" era um único sujeito que ficou com este apelido até que, mais tarde ficou sendo nosso colega na Engenharia Eletrônica, era o Leovegildo.
Ah! Mas eu não poderia deixar de falar com vocês sobre o meu primeiro programa não é mesmo? Bem, é uma historia meio longa, mas logo antes de eu vir trabalhar aqui eu era estagiário no IPqM, Instituto de Pesquisas da Marinha; aliás, estagiário não, pois no meu registro constava "calculista" (imaginem só se o Beremis Samir(5) fica sabendo que foi meu colega de profissão!). Além do mais, eu podia mesmo era me considerar "cientista" já que o meu chefe, o então Comandante Paulo Moreira da Silva, era o "cientista-chefe".

Bom, mas acontece então, que já havia alguns anos que a Marinha vinha tentando fazer uma Tábua de Marés, isto é, um livrinho contendo o horário da preamar e da baixamar nos principais portos do Brasil a cada dia do ano. Essas tábuas já eram feitas porém usando uma engenhoca caríssima e imprecisa, a máquina de Kelvin (vocês podem imaginar pela época do inventor). Já se fazia calculo de marés por computador em outros lugares do mundo, apesar de ser coisa recente, mas as tentativas anteriores no Brasil não deram resultado.

Qual a solução para um problema difícil? Ler os classificados do JB? Chamar os Fuzileiros? Ligar para a IBM? Chamar o Super-Homem? a Insetisan? Nada disso, o melhor e mais barato é dar a missão para um estagiário obstinado.
Um belo dia o Comandante Roberto Rodrigues (que não é parente do analista de mesmo nome) entrou na sala e perguntou:
- Qual de vocês é que vive dizendo por aí que entende de computador?
- Eu! Respondi prontamente, quase juntando os cascos pensando nos meus tempos de Colégio Militar.
(5) Beremis Samir, o calculista persa, o Homem que Calculava, personagem das historias de Malba Tahan.-

Ah! Então temos um trabalhinho para você. Nós queremos fazer os cálculos das marés por computador. Tem aqui um artigo publicado no Boletim do Bureau Hidrographique Internationel (já sacaram que o artigo era em Francês) que dá umas boas explicações. Leia e faça o programa.
Consegui ficar sabendo que a altura do nivel do mar em um dado instante é dada pela soma de várias funções periódicas relacionadas com os movimentos da terra, lua, sol dentre outros; se não me falha a memória a formula é: h = ho + SOMA[ An Hn Sen(Dn+t)] onde ho exprime um nivel de referencia, os An são constantes astronômicas que são calculadas para cada ano, os Hn são constantes Harmônicas que são diferentes para cada porto mas não mudam com os anos e os Dn são constantes de fase angular. Todas essas constantes eram conhecidas; o problema consistia em calcular os máximos e mínimos da função (o que poderia ser obtido achando-se os zeros da função derivada) e organizar os resultados em uma tabela. Parece fácil, não é? Depois de estudar o artigo e de conversar algumas vezes com o Comandante Emmanuel Gama de Almeida da Diretoria de Hidrografia e Navegação, ainda arrumei o computador para os testes (mediante um acordo entre o IPqM e a Coppe). Viram? Isso é que era estagiário! Só faltava agora fazer o programa funcionar...
Eu me lembro da primeira vez que fui rodar o programa. Miguel me disse:
- Está pronto? Então vamos ligar a máquina e passar o programa para você ver os erros:
Fiquei pau da vida, que erros? Ora essa, então o Miguel acha que eu faço programa errado? Então eu não aprendi? Ainda bem que, como ainda é meu costume, pensei mas não disse. Isso me poupou o vexame que as aproximadamente vinte e cinco mensagens de erro resultantes confirmariam...
É, o primeiro programa foi como um primeiro amor porque naquele tempo quando se aprendia a programar não se tinha à oportunidade de fazer o programa funcionar; assim, nunca fiz programas de exercício para aprender, a primeira experiência foi mesmo pra valer... durante pouco mais de um mês eu só pensava nesse programa, nas mares e nas senóides; como tirar um erro, como fazer o programa rodar mais depressa, como simplificar...
Não sei se quem consegue aprender aos poucos, com mais exercícios e uso farto de computador, tem sido capaz de viver essa mesma paixão já que, ao se envolver de fato com uma programação, já conhece melhor as "verdades da vida" e não se deixa levar tanto pelas ilusões. Na verdade, eu até gostaria de saber o que realmente acham meus colegas mais modernos; eu penso que o primeiro programa complexo e feito com responsabilidade ainda
é capaz de gerar muita emoção pois, afinal, por mais preparados e calejados que sejamos sempre achamos um jeito de nos deixar iludir...
O trabalho era muito gratificante e logo logo superou todas as nossas expectativas; é claro que o pagamento era pouco, mas, se eu pudesse teria até pago para trabalhar. Não estaria arrependido, toda a oportunidade que tive para aprender, com equipamento, manuais, livros e, principalmente, as pessoas...
Ah, sim, as pessoas, que são o maior patrimônio de qualquer organização, eram fartas principalmente em qualidade a nossa volta. As pessoas, muito mais do que qualquer outra razão, é que foram importantes para me manter ou me fazer mudar de um grupo de trabalho. Qualquer assunto que eu quisesse saber podia perguntar ao Ysmar que êle sabia dizer que na biblioteca, em tal prateleira, tinha um livro de tal cor que explicava muito bem o assunto; ou ainda quando tinha um problema muito cabeludo de programar podíamos recorrer ao Favilla que logo se entusiasmava e ficava todo contente de achar uma solução elegante junto conosco.
A Coppe como todos ficaram sabendo mais tarde, foi à precursora de profundas mudanças (para melhor, entendam) nesta universidade. As instalações eram limpas (tinha até papel nos banheiros), todo o trabalho era levado muito a serio (principalmente pelos alunos). Professores estrangeiros e brasileiros trabalhavam juntos e com o mesmo pique. As notas, como na maioria das universidades estrangeiras, era competitiva, quer dizer era muito difícil tirar A porque a quantidade de A's dependia do numero de alunos na turma; naquela época, fazer quatro cursos por período era só pra CDF em tempo integral e, mesmo assim, se arriscando a pelo menos um B.
As dificuldades da vida de estudante da Coppe naquele tempo, justificavam, plenamente, a inscrição colocada sobre o portal por um aluno dedicado:
"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrater6
O contraste com a Escola de Engenharia, onde eu estudava, era gritante; e olhem que hoje isso já melhorou muito devido a influencia da Coppe. Para quem não conhece essa historia, acho que vale a pena gastar mais alguns parágrafos.
A Coppe foi obra da obstinação e talento do Professor Alberto Luiz COIMBRA que conseguiu apoio financeiro no BNDE (hoje BNDES) para começar o programa de Mestrado em Engenharia Química. Graças a uma estratégia bem clara de "NUNCA COMPROMETER A QUALIDADE", essas atividades foram pouco a pouco crescendo. É claro que ficou logo constatado que a contratação de professores interessados e competentes com salários dignos (o apoio do BNDE permitia salários muito superiores aos
6 "Deixai aqui toda a esperança, o' vós que entrais!" ••• Inscrição à porta do Inferno de Dante em "A divina comédia".
que a Universidade estava acostumada) trouxe como consequência a formação de técnicos em níveis tão elevados como nas escolas estrangeiras.
É uma lei universal que, em tudo há uma tendência ao equilíbrio, e a grande expectativa era de que, aos poucos, a nova mentalidade (ou veneno, segundo alguns) trazida pela Coppe se espalhasse pela Universidade. Havia, logicamente, também o temor de o ambiente do restante da Universidade acabasse predominando a longo prazo.
O apoio do BNDE era dado diretamente ao pesquisador, o prof. Coimbra, e não dependia em nada da UFRJ. Nenhum dos professores nem dos funcionários tinha contrato de trabalho com a Universidade; para nós, do DCC esta situação se manteve até 1972 quando foi criado o quadro do NCE (e olha que a Coppe ainda continuava na mesma situação).
A vida neste ambiente, quase que de fantasia, era muito excitante para quem estava começando, como eu; e acho que este impacto, tão cedo na carreira, fez com que todos nós continuássemos tentando manter um ambiente ideal de trabalho pelo resto da vida.
No DCC ninguém se tratava de senhor, e o grupo todo era muito unido. Foi nessa época que estava sendo lançada a la. edição do FORTRAN do Pacitti; eu e Miguel passamos um bom tempo elaborando os anexos para que a edição saísse mais depressa.
Chegando o fim de 1967, o DCC passou a contar com mais um estagiário: Luiz Antonio Couceiro e, em seguida com mais um recém-formado: Ivan da Costa Marques.
Aos poucos o volume de trabalho ia aumentando; cada vez mais alunos usavam o computador em suas teses e os problemas eram cada vez mais complicados. Já começávamos a sentir a necessidade de manter os usuários fora da sala do computador (o que não era muito fácil); eu e Miguel chegamos a implorar ao Major que desse uma ordem proibindo a entrada de usuários durante o processamento; êle se negou a fazer isso e nos deu a seguinte resposta:
- Use o bom senso!
Lembro-me ainda de que, por um problema de manutenção, o 1130 precisou ficar alguns dias parado. Para evitar o acúmulo de serviço e para que os usuários não ficassem sem atendimento, fomos levar os programas para serem executados na Petrobrás e na PUC Infelizmente, para nosso martírio, vários usuários souberam disso e foram nos fazer companhia; de nada adiantou pedir uma proibição; novamente tivemos que usar o bom senso!
Mais ou menos por esta época tivemos uma visita muito marcante; o Dr. Jean Paul Jacob, o primeiro brasileiro com o titulo de Ph.D. em computação! Jean Paul havia sido aluno do ITA e já havia alguns anos estava trabalhando na IBM americana. Contente com o sucesso que fazíamos com o 1130, a IBM estava querendo propor um acordo "irrecusável" para a instalação de uma máquina maior: um /360 modelo 44. Eu não conseguia entender a razão
da recusa do Major que preferia até pagar por um modelo 40 do que ficar com o 44 de graça...
O 44 era mais especializado para processamento cientifico, mas, o grande fato é que não era compatível com os demais modelos e, portanto, só podia usar seu software específico. Se não me engano, esta negociação acabou sendo feita com a USP e a compra de um /360 modelo 40 para nós alguns anos depois comprovou que o Major estava certo.

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