A crise levou os islandeses a mudar de governo e a chumbar o resgate
dos bancos. Mas o exemplo de democracia não tem tido cobertura
Os protestos populares, quando surgem, são para ser levados até ao
fim. Quem o mostra são os islandeses, cuja acção popular sem
precedentes levou à queda do governo conservador, à pressão por
alterações à Constituição (já encaminhadas) e à ida às urnas em massa
para chumbar o resgate dos bancos.
Desde a eclosão da crise, em 2008, os países europeus tentam
desesperadamente encontrar soluções económicas para sair da recessão.
A nacionalização de bancos privados que abriram bancarrota assim que
os grandes bancos privados de investimento nos EUA (como o Lehman
Brothers) entraram em colapso é um sonho que muitos europeus não se
atrevem a ter. A Islândia não só o teve como o levou mais longe.
Assim que a banca entrou em incumprimento, o governo islandês decidiu
nacionalizar os seus três bancos privados - Kaupthing, Landsbanki e
Glitnir. Mas nem isto impediu que o país caísse na recessão. A
Islândia foi à falência e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entrou
em acção, injectando 2,1 mil milhões de dólares no país, com um
acrescento de 2,5 mil milhões de dólares pelos países nórdicos. O povo
revoltou-se e saiu à rua.
Lição democrática n.º 1: Pacificamente, os islandeses começaram a
concentrar-se, todos os dias, em frente ao Althingi [Parlamento]
exigindo a renúncia do governo conservador de Geir H. Haarde em bloco.
E conseguiram. Foram convocadas eleições antecipadas e, em Abril de
2009, foi eleita uma coligação formada pela Aliança Social-Democrata e
o Movimento Esquerda Verde - chefiada por Johanna Sigurdardottir,
actual primeira-ministra.
Durante esse ano, a economia manteve-se em situação precária, fechando
o ano com uma queda de 7%. Porém, no terceiro trimestre de 2010 o país
saiu da recessão - com o PIB real a registar, entre Julho e Setembro,
um crescimento de 1,2%, comparado com o trimestre anterior. Mas os
problemas continuaram.
Lição democrática n.º 2: Os clientes dos bancos privados islandeses
eram sobretudo estrangeiros - na sua maioria dos EUA e do Reino Unido
- e o Landsbanki o que acumulava a maior dívida dos três. Com o
colapso do Landsbanki, os governos britânico e holandês entraram em
acção, indemnizando os seus cidadãos com 5 mil milhões de dólares
[cerca de 3,5 mil milhões de euros] e planeando a cobrança desses
valores à Islândia.
Algum do dinheiro para pagar essa dívida virá directamente do
Landsbanki, que está neste momento a vender os seus bens. Porém, o
relatório de uma empresa de consultoria privada mostra que isso apenas
cobrirá entre 200 mil e 2 mil milhões de dólares. O resto teria de ser
pago pela Islândia, agora detentora do banco. Só que, mais uma vez, o
povo saiu à rua. Os governos da Islândia, da Holanda e do Reino Unido
tinham acordado que seria o governo a desembolsar o valor total das
indemnizações - que corresponde a 6 mil dólares por cada um dos 320
mil habitantes do país, a ser pago mensalmente por cada família a 15
anos, com juros de 5,5%. A 16 de Fevereiro, o Parlamento aprovou a lei
e fez renascer a revolta popular. Depois de vários dias em protesto na
capital, Reiquiavique, o presidente islandês, Ólafur Ragnar Grímsson,
recusou aprovar a lei e marcou novo referendo para 9 de Abril.
Lição democrática n.º 3: As últimas sondagens mostram que as intenções
de votar contra a lei aumentam de dia para dia, com entre 52% e 63% da
população a declarar que vai rejeitar a lei n.o 13/2011. Enquanto o
país se prepara para mais um exercício de verdadeira democracia, os
responsáveis pelas dívidas que entalaram a Islândia começam a ser
responsabilizados - muito à conta da pressão popular sobre o novo
governo de coligação, que parece o único do mundo disposto a
investigar estes crimes sem rosto (até agora).
Na semana passada, a Interpol abriu uma caça a Sigurdur Einarsson,
ex-presidente-executivo do Kaupthing. Einarsson é suspeito de fraude e
de falsificação de documentos e, segundo a imprensa islandesa, terá
dito ao procurador-geral do país que está disposto a regressar à
Islândia para ajudar nas investigações se lhe for prometido que não é
preso.
Para as mudanças constitucionais, outra vitória popular: a coligação
aceitou criar uma assembleia de 25 islandeses sem filiação partidária,
eleitos entre 500 advogados, estudantes, jornalistas, agricultores,
representantes sindicais, etc. A nova Constituição será inspirada na
da Dinamarca e, entre outras coisas, incluirá um novo projecto de lei,
o Initiative Media - que visa tornar o país porto seguro para
jornalistas de investigação e de fontes e criar, entre outras coisas,
provedores de internet. É a lição número 4 ao mundo, de uma lista que
não parece dar tréguas: é que toda a revolução islandesa está a passar
despercebida nos media internacionais.
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