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quarta-feira, 13 de abril de 2011

O papelão de FHC e a oposição

FHC e os marmiteiros
11:49, 13/04/2011 Paulo Moreira Leite

A mais nova intervenção política de Fernando Henrique Cardoso no debate
brasileiro me recorda um episódio que marcou a republica liberal de 1946-1964.

Estou me referindo a uma denuncia feita contra o Brigadeiro Eduardo Gomes,
eterno candidato da UDN à presidencia da República. Numa campanha
eleitoral, Eduardo Gomes foi acusado pelos adversários getulistas de
ter dito, em comício, que não aceitava o "voto dos marmiteiros." O
brigadeiro sempre definiu a denúncia como falsa e caluniosa. Verdade
ou mentira? Até certo ponto não importa.

Certa ou errada, a acusação colou e perseguiu Eduardo Gomes e a UDN
como um estigma sem cura. Por que? Como se aprende com a experiência
histórica, as piores mentiras costumam prosperar quando se apoiam num
fundo de verdade. Ou seja: mesmo que o brigadeiro jamais tenha dito a
frase — não há gravações para demonstrar isso — sua postura política e
as atitudes de seu partido tornavam a denúncia verossímel.

Impossível deixar de pensar em "elitismo" diante da leitura de O Papel da
Oposição, texto que FHC acaba de publicar na revista Interesse
Nacional e que chegou a provocar uma manchete da Folha, ontem.

Referindo-se aos "marmiteiros" de hoje em dia, que são os pobres, os
excluídos, o "povão", as "massas desinformadas" Fernando Henrique diz
que eles são uma causa perdida para os partidos de oposição. Estão
"aparelhadas", diz FHC, elaborando a seguir os instrumentos pelos
quais o "lulismo" teria se apoderado do eleitorado mais pobre e com
menor nível de educação formal para ali construir uma fortaleza
impenetrável para os adversários.
Resumindo, tais instrumentos seriam as políticas de distribuição de
renda em vigor nos últimos anos, boa parte iniciadas nos oitos anos de
mandato de FHC, mas que assumiram outra proporção, outra escala — e
outro conteúdo, enfim — nos oito anos de governo Lula.

A idéia do texto é a seguinte: o governo Lula distribuiu tantos
favores e tantos benefícios ao "povão" que isso torna impossível mudar
o voto desses milhões de brasileiros. Se quiser recuperar perspectivas
de voltar ao poder, ss partidos de oposição devem olhar para os
brasileiros melhor remunerados, a começar, no mínimo, pelas novas
classes médias que se formaram na prosperidade econômica dos anos
Lula.

Talvez seja a primeira vez na história das democracias que um
ex-presidente da República escreva e assine embaixo a proposição de
que seu partido e seus aliados podem desistir de receber o voto dos
mais eleitores pobres porque eles já tem dono. Com alguma malícia, um
observador ironico poderia dizer que essa afirmação é uma
auto-crítica.

Mas não é — o que é uma pena. Da mesma forma que o PT de Lula foi
levado a fazer um ajuste em relação a dogmas econômicos relativos à
economia de mercado, seria até uma demonstração de evolução política o
PSDB permitir-se uma auto-análise por sua atuação na área social. Ou
será possível acreditar que tres derrotas consecutivas se devem ao
poder de aparelhamento do adversário?

Os anos FHC ficaram marcados por uma visão excludente sobre o lugar
dos pobres na globalização. Também deixaram atitudes de estimulo à
precarização do mercado de trabalho. O ambiente político era tal que
a midia chegava a publicar reportagens mostrando as vantagens de um
trabalhador ser demitido e usar a indenização para virar camelô, pois
o mundo do emprego formal estava condenado de modo inapelável…

Não é isso o que importa para FHC. "Cooptados" por "benesses" do
governo Lula, o "povão", os "movimentos sociais", os "pouco educados"
se tornaram cidadãos incapazes de ter consciência política, incapazes
de pensar e tomar decisões como homens livres — são eleitores
dominados, aparelhados, subjugados pelo Estado e pelas "verbas de
publicidade" que adocicam os meios de comunicação. Vamos combinar: não
há maior elitismo do que desprezar a capacidade de discernimento do
eleitor. A renuncia a convencê-lo é sempre preocupante numa
perspectiva democrática.

Mas há uma concepção política de fundo que é mais séria. As políticas
compensatórias e de distribuição de renda não são uma invenção do
governo Lula, como FHC aliás faz questão de ressaltar. Tampouco são
uma obra original do PSDB ou de seus intelectuais. Chega a ser ingenuo
imaginar que foram maquinadas num gabinete de marqueteiros geniais,
maquiávelicos ou generosos diante da sorte do próximo.
São fruto do crescimento político da população e de um prolongado
esforço do eleitorado mais humilde para obter — pelo voto — algumas
migalhas que permitem tornar sua existência menos vergonhosa e menos
degradante. Aquilo que FHC enxerga como ardis para a conquista de
votos, como um presente interesseiro de governantes, a população
enxerga — corretamente — como seus direitos, enfim reconhecidos.
Vamos combinar: a conexão entre o voto popular e os interesses
materiais é tão antiga e legítima quanto a primeira eleição da
historia. Foi ela que elegeu FHC durante o Plano Real, quando o mesmo
povão que hoje é visto como "aparelhado" votou em FHC e deixou o
candidato Lula falando sòzinho em duas campanhas eleitorais.
A imensa maioria do eleitorado não toma decisões por motivos
espirituais, mas em função de perspectivas melhores para si próprio,
sua familia e futuras gerações. É assim num barraco de alvenaria que
embolsa os trocados fundamentais do Bolsa Família. E também é assim na
mansão dos Jardins onde se festeja cada aumento na taxa de juros.

Pode até parecer chocante, mas aquele processo que FHC define como
aparelhamento do povão é, na realidade, a evolução da democracia num
país com nossas características. Excluída de nossa vida pública,
manipulada e enganada em democracias e ditaduras que serviam a poucos,
a parcela mais pobre conseguiu arrancar do Estado benefícios
históricos que são a mais pura e antiga trivialidade em países que
sempre foram alvo de inspiração para a geração de intelectuais de
Fernando Henrique.

O Brasil está longe de ser aquele país igualitário e repleto de
oportunidades com o qual sonhamos. Mas há mudanças inegáveis e o
desafio de compreendê-las não é pequeno. Os benefícios gerados nas
últimas décadas começam a dar um conteúdo numa democracia que em seus
melhores momentos era pura forma vazia. Esse é mundo que é preciso
compreender.

fonte: http://colunas.epoca.globo.com/paulomoreiraleite/

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