Iguais e Desiguais
Há um texto de Rui Barbosa – chamado Oração aos Moços, escrito como discurso de paraninfo aos formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo – em que o referido autor faz uma interessante consideração acerca do conceito de igualdade. O texto inteiro é permeado de referências a Cristo e sua doutrina, e devemos observar também que o público original a ser alcançado era composto por egressos do curso de Direito, futuros executores do aparelho estatal legislativo, que deveriam oferecer o melhor de si pela promoção da justiça social.
No entanto, as qualidades da igualdade abordadas pelo autor transcendem o campo da legislação e alcançam os campos mais essenciais da vida humana, como a moralidade, a humanidade e a convivência social.
Nas palavras de Rui Barbosa,
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
Segundo este ponto de vista, o criador supremo, a natureza, as oportunidades do contexto sócio-histórico, todos acabaram por nos fazer diferentes uns dos outros (fato que é notório e simples). Ao dizer que todos os homens são iguais, queremos dizer que todos devem ter suas diferenças e direitos respeitados, por não haver um “modelo” de ser humano ideal (Cristo não é um modelo, no sentido individualista do termo; Ele é tudo em todos, e antes é preciso imitar seu caráter, do que sua prática de vida).
A aplicação da igualdade se dá, então, no tratamento desigual, já que somos todos desiguais. Dar a cada um aquilo que lhe é devido. De fato, esta regra já pode ser vista em certos procedimentos sociais, como o tratamento oferecido aos deficientes físicos ou mentais; a prioridade destinada a idosos, gestantes, dentre outros; a reserva de vagas em universidades para estudantes de escolas públicas ou a criação de cotas “raciais”. Entenda que não estamos fazendo nenhum juízo de valor sobre estes procedimentos – e muito menos afirmando que estas medidas são suficientes ou propiciam algum benefício real para os excluídos. Estamos apenas mostrando de que forma a igualdade para desiguais está sendo aplicada em nossa sociedade.
Dentro de uma esfera menos burocratizada, como, por exemplo, o comportamento humano cotidiano, podemos aplicar de forma proveitosa esta regra da igualdade, oferecendo aos desiguais aquilo que lhes é próprio. O processo humanizante do próprio ser humano é árduo: estamos abarrotados de individualismo. Este será o momento de ruptura com comodidades proporcionadas pelo status ou pelo poder. Será o momento daqueles que aspiram uma sociedade mais justa e igualitária se libertarem de comportamentos sociais que apenas propiciam a desigualdade, favorecendo aqueles que já são favorecidos, e esquecendo ainda mais aqueles que já estão esquecidos.
Mas é preciso cuidado. Não devemos cair no atraente erro da humildade forçada, da caridade sem amor genuíno, da obra morta por não conter em si a fé, simplesmente para representar um papel, para proclamar uma autohumanização. Paulo já nos advertiu sobre isso na carta aos Colossenses, capítulo 2, versículo 23.
Proponho que abandonemos o medo de perder. Perder o prestígio de amigos, familiares ou lideranças religiosas; perder posições sociais que nos são caras; perder a segurança de uma vida cômoda, porém hipócrita. É o medo quem nos torna acomodados.
Proponho que analisemos com cuidado onde estamos investindo nosso tempo, trabalho ou dinheiro. Será que não existem pessoas muito mais necessitadas dos nossos esforços? Por que razão nos prendemos tanto a sistemas religiosos que têm como fim a si mesmos?
Será difícil e doloroso começar a dedicar seu suor na conversão genuína das pessoas ao nosso redor, deixando de dedicá-lo a uma igreja-instituição que não existe para gerar vida em abundância, mas sim para criar camadas sociais de poder e mecanismos de sustento financeiro. As cobranças e pressões virão de todos os lados, mas no fim terá sido mais proveitoso. Lembre-se: Cristo nos advertiu que quem quisesse salvar a própria vida, colocando seus interesses em primeiro lugar, acabaria por perdê-la.
Mais vale viver uma vida de rejeição e isolamento eclesial – mas em comunhão com Deus – do que viver uma vida de hipocrisia religiosa que aos poucos consumirá cada célula do seu ser, até que não fique pedra sobre pedra.
Fonte:http://gilvieiracosta.blogspot.com/2008/10/iguais-e-desiguais.html
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